Sabes, nunca se faz o que se quer.
Há sempre uns "diabinhos".
Felizmente! Ou não?
Sim. No entanto há que procurar
ser realmente consciente daquilo que se faz,
e reduzir a parte da inconsciência.
Há que tremer diante do desconhecido.
Os meios de comunicação
do mundo moderno
impedem a concentração
imprescindível ao artista,
o necessário isolamento,
o tempo de reflexão.
Os homens lutam, hoje, para encontrar
um pouco de silêncio.
A.P. - Sempre houve obstáculos, só que eram diferentes.
Acho que hoje é pior:
a rádio, a televisão, os jornais.
Vieira - Não, Arpad. Já Descartes se queixava.
A.P. - Havia outros impeditivos:
quem tivesse de ganhar a vida
perdia imenso tempo a fazer a corte, a assistir a banquetes, a festas de igreja.
Tinha de sujeitar-se aos vários protocolos.
Vieira - Ah sim, pobre Velasquez!
Ficou gasto, com a vida que foi obrigado a levar.
Disse ele que passava dez anos a pensar num quadro,
mas que o executava em uma hora.
Percebe-se que tenha feito retratos tão extraordinários.
Era o mestre de cerimónias de Filipe IV,
forçado, pois, a assistir a missas, a festas, a intermináveis protocolos
durante os quais podia observar à vontade
aqueles que iriam tornar-se seus modelos.
Sim e não.
Quando é preciso falar
sentimo-nos sempre um pouco...
não bloqueados... mas as ideias bloqueadas...
não sei, estávamos a falar da idade.
Não há qualquer lei que diga ou explique
que o artista velho faz belos quadros;
há, pelo contrário, casos assaz dolorosos devidos a
certas lesões, certas doenças que surgem com a
velhice e nos roubam a vitalidade,
que é a própria essência da arte.
A.P. - Vitalidade, isto é, uma energia?
Sim. Uma energia muito mais interessante do que
o petróleo, e que um dia talvez venha a
aquecer o mundo.
A.P. - A arte, queres tu dizer.
Sim, a arte que não será só praticada pelos artistas,
mas por todos aqueles que tenham um sentido criador,
ainda que lhes falte o ofício.
A arte traz-nos a presença e o calor humanos.
É possível que hoje se compreenda melhor os
verdadeiros artistas, pelo menos tem-se a ilusão disso.
O público, quando nós éramos novos,
gostava de uma arte um tanto estereotipada,
o bonitinho, estás a ver, género Rafael,
e achava que o Miguel Ângelo não acabava as obras...
Hoje já se é capaz de admirar uma linha, uma simples linha,
traçada embora com um tal conhecimento de causa!
Infelizmente a arte depende também
muito dos automóveis, da rádio, de todas essas coisas,
e não só da vitalidade!
Os velhos artistas recusam-se a morrer.
Vi um filme em que um pintor ia sem inquietação a um médico,
o qual lhe anunciava que ele estava condenado à morte.
E o pintor dizia simplesmente:
"Queria viver mais dois anos para acabar o que comecei."
Aí está como nós somos,
queremos sempre viver dois anos mais
para acabar os quadros começados,
pois sempre sublimamos mais o quadro por fazer.
Passei, outrora, por períodos em que trabalhava bem,
em que só vivia para o meu trabalho;
ultimamente vi-me forçado a ficar largo tempo sentado
e descobri tanta beleza pela janela:
um pequeno beco, um molho de cenouras,
um pássaro!
Descobri a cor das laranjas!
É uma tal alegria!
Vieira - Venham ver o jardim!
Como defendermo-nos contra todas as coisas
que lemos nos jornais, que vemos na televisão?
Estamos poluídos,
mas outros há que o estão ainda mais que nós.
Às vezes contraímos um pouco de pureza, mas é difícil...
Vamos lá então, se te apetece, ver um pouco o jardim,
que a Vieira já nos chamou.
Os dias são maravilhosamente longos!
Capas brancas encobriam as cadeiras e o sofá,
mas eu bem sabia:
por baixo era tudo de veludo azul.
Levantava uma ponta das capas tristes
e acariciava o veludo,
macio ao tacto e azul como o céu em dias de Verão.
Certa vez perguntei à avó
porque é que não tirava os panos feios
para pôr à vista a mobília bonita.
Ao que ela, rancorosa, retorquiu:
- Que é que percebes disso?
Só sabes estragar.
Um dia, depois de eu ter fechado os olhos para sempre,
tu e o resto da família
hão-de agradecer-me ter tido amor às minhas coisas.
E se te couber a ti a mobília azul,
podes tirar-lhe as cobertas.
Quando estamos mortos,
já não há nada que nos possa incomodar.
Palavras frias como a própria morte.
Alias, não cheguei a herdar a mobília azul.
Ilse Losa
O Mundo em que Vivi
1987
Romeo
Alas, that love, whose view is muffled still,
Should, without eyes, see pathways to his will! -
Where shall we dine? - O me! - What fray was here?
Yet tell me not, for I have heard it all.
Here's much to do with hate, but more with love: -
Why, then, O brawling love! O loving hate!
O anything, of nothing first create!
O heavy lightness! serious vanity!
Mis-shapen chaos of well-seeming forms!
Feather of lead, bright smoke, cold fire, sick health!
Still-waking sleep, that is not what it is! -
This love feel I, that feel no love in this.
Dost thou not laugh?
Benvolio No, coz, I rather weep.
Romeo Good heart, at what?
Benvolio At thy hood heart'd oppression.
Romeo
Why, such is love's transgression.-
Griefs of mine own lie heavy in my breast;
Which thou wilt propagate, to have it prest
With more of thine: this love that thou hast shown
Doth add more grief to too much if mine own.
Love is a smoke rais'd with the fume of signs;
Being purg'd, a fire sparkling in lovers' eyes;
Being vex'd, a sea nourish'd with lovers' eyes;
What is it else? a madness most discreet,
A choking gall, and a preserving sweet.-
Farewell, my coz.
life in letters
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